A investigação conjunta realizada ao longo de um ano pela Earthsight e Mongabay é composta por quatro estudos de caso em diferentes partes do país – desde a sede da empresa em São Paulo ao coração da Amazônia no Pará, além de habitats únicos como a Mata Atlântica no Paraná.
Nesse relatório, detalhamos como a Indusparquet é acusada de usar “influentes intermediários” para ter acesso à madeira. Tambem descobrimos que a Indusparquet tem obtido madeira de fornecedores multados em milhões de reais por práticas ilegais. O piso da Indusparquet é encontrado por todos os Estados Unidos. A empresa afirma ter fornecido madeira para projetos importantes como o Mirage Hotel em Las Vegas, a casa da atriz Jennifer Aniston e até mesmo o Vaticano e o Taj Mahal.A Indusparquet é acusada em processos de suborno em dois estados do Brasil, relacionados ao uso de funcionários públicos para obter acesso a suprimentos de madeira.
Além disso, uma análise em uma pequena fração das centenas de fornecedores da Indusparquet revela que alguns foram multados ao equivalente a 3,7 milhões de dólares entre 2015 e 2021 por extração ilegal de madeira – incluindo falsificação de informações em bancos de dados oficiais, violação de terra indígena e extração de madeira em florestas protegidas.
Este relatório identifica vários processos judiciais envolvendo a Indusparquet e corréus, todos como alvo de acusações de corrupção.
No primeiro desses processos judiciais, detalhado no capítulo “O Agente do Paraná”, o cofundador da Indusparquet, José Antonio Baggio, enfrentou ações nos âmbitos cível e criminal por enriquecimento ilícito de um funcionário público no estado do Paraná, que abriga a ameaçada Mata Atlântica. Após sermos informados sobre o caso por uma fonte anônima, tivemos acesso a transcrições de escutas telefônicas e horas de gravações de vídeos revelando como, a pedido de Baggio, um funcionário público usou meios ilegais para ajudar a empresa a adquirir 'bracatinga' (Mmimosa scabrella), uma espécie de madeira endêmica da Mata Atlântica.
Com base em planilhas enviadas pelo Ibama, obtidas através da Lei de Acesso à Informação (LAI), confirmamos que a bracatinga ligada aos fornecedores citados no processo judicial foi comprada pela Indusparquet no mesmo período. O vazamento de informações também revela como a encomenda dessa madeira por um cliente americano não identificado acabou desencadeando uma sucessão de eventos que culminou na apresentação de ações civis e criminais pelos promotores do Paraná. Embora o chefe da Indusparquet tenha sido considerado inocente de acusações criminais no seu papel no escândalo em decisão proferida em agosto de 2022, o Ministério Público do Paraná confirmou que o caso não foi encerrado e estuda recorrer da decisão junto ao Superior Tribunal de Justiça ou a Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, o processo civil contra ele e a empresa continua em andamento.
O segundo caso de corrupção em andamento e documentado no capítulo “Nosso Homem em São Paulo” deste relatório foi iniciado após uma grande operação na sede da Indusparquet em São Paulo, chamada de Operação Pátio, em 2018.
Embora a empresa tenha conseguido anular parte das multas emitidas após a investigação inicial, um promotor da República, após análise de provas coletadas na época, instaurou acoes nos âmbitos civel e criminal afirmando que a empresa desempenhou um papel central em um suposto esquema de lavagem de madeira em larga escala. As evidências mostram como um analista do Ibama foi subornado regularmente por um funcionário da Indusparquet para criar ou alterar documentos de origem florestal (DOF) e liberar estoques de madeira apreendidos usando o banco de dados nacional de créditos de madeira do país, conhecido como SISDOF/Sinaflor. O funcionário do Ibama, cujas ações teriam beneficiado a Indusparquet e vários parceiros comerciais, confessou ter recebido propina do funcionário da empresa através da conta bancária da esposa.
Uma análise feita pelo Ministério Público Federal das transações ilegais realizadas no caso em São Paulo mostra que a Indusparquet obteve benefícios de R$ 154.372.773 (quase 30 milhões de dólares hoje) equivalentes à lavagem de 19.753 metros cúbicos de estoques de madeira.
As ações nos âmbitos cível e criminal relacionados ao caso de São Paulo seguem em andamento. A Indusparquet nega qualquer irregularidade nessas ações.
No Pará, maior produtor de madeira do Brasil, descobrimos que a Indusparquet adquiriu madeira de duas serrarias que tiveram produtos apreendidos na Operação Handroanthus. A maior operação de madeira ilegal na história da Amazônia se iniciou no final de 2020 e resultou na apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira. Essas duas serrarias, que forneceram madeira à Indusparquet antes e depois da operação, foram multadas coletivamente em mais de meio milhão de dólares por lavagem de madeira e outras violações das regras de extração madeireira nos últimos anos.
Uma das fazendas no Pará que teve madeira apreendida durante a operação pertence a poderosos proprietários de terras que pressionaram o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para ajudá-los após as apreensões. Esses mesmos fazendeiros também são acusados de apropriação de terras e extração de madeira dentro de áreas protegidas. As visitas de Salles à área para intervir na Operação Handroanthus desencadearam uma das duas investigações do Supremo Tribunal Federal relacionadas à madeira ilegal, que acabaram culminando na renúncia de Salles em junho de 2021.
Em outra parte do Pará, rastreamos a madeira de uma reserva indígena ameaçada, conhecida por abrigar povos isolados, até o gigante brasileiro de pisos. Duas serrarias, fornecedores da Indusparquet, compraram toras de uma propriedade dentro da terra indígena Ituna Itatá, na bacia do rio Xingu, e foram multadas no equivalente a US$ 466.198 por inserirem informações falsas no SISDOF/Sinaflor sobre a origem da madeira. Os donos da propriedade dentro da reserva indígena também foram multados no equivalente a 2,7 milhões de dólares em 2021 por destruir quase 1.000 hectares de floresta nativa na TI Ituna Itatá e por violar as restrições de acesso a uma área onde os povos indígenas isolados estão presentes.
A Indusparquet é a maior exportadora de pisos do Brasil. Os Estados Unidos respondem por 90% de suas importações, enquanto 4% são destinados à Europa. Entre janeiro de 2017 e agosto de 2022, período em que esteve cercada por escândalos, a Indusparquet conseguiu exportar mais de 27.500 toneladas de madeira para os Estados Unidos, um peso de madeira equivalente ao da Estátua da Liberdade, incluindo sua base de concreto. Este é um piso com um valor de varejo nos EUA de um quarto de bilhão de dólares (US$250 milhões).
Apesar de receber multas recorde em 2016 por importar madeira ilegal sob a Lei Lacey (que proíbe tal importação) e ser observada de perto pelo governo dos EUA desde então, a gigante rede de lojas LL Flooring (anteriormente conhecida como Lumber Liquidators) tem sido um dos maiores clientes da Indusparquet nos EUA nos últimos anos. A empresa começou a comprar madeira da Indusparquet apenas um mês antes dela ser alvo da Operação Pátio e continuou comprando pisos por anos seguidos. LL Flooring comprou pisos da empresa brasileira para as suas marcas de pisos 'Forest Hill', 'Esperanza', 'Bandera' e 'Padre'. A LL Flooring não respondeu a nossos pedido de resposta.
Outra grande rede de varejo dos EUA, Floor & Décor, foi o maior cliente da Indusparquet naquele país durante o período coberto pelos processos judiciais. Evidências descobertas pela Earthsight também mostram que a Floor & Décor adquiriu madeira da mesma espécie que foi objeto do processo judicial no Paraná de uma subsidiária da Indusparquet. A empresa americana, inclusive, estoca um produto de piso feito com bracatinga para sua linha ‘Quest Exotic Hardwoods’. Floor & Décor é muito provavelmente o cliente americano citado no caso do Paraná.
Quando contactada, a Floor & Décor afirmou ter encerrado seus negócios com a Indusparquet em 2019 e que o produto de piso de bracatinga em questão havia sido descontinuado desde então. Embora a página com detalhes do produto tenha desaparecido do site da Floor & Decor depois que contactamos a empresa,Earthsight e Mongabay conseguiram comprar pisos de bracatinga em uma loja da Floor & Décor no estado da Virginia, em setembro de 2022.
A famosa rede americana de materiais de construção Menards também estoca os produtos da Indusparquet, mas parte parece ter sido produzido no Paraguai. A Menards não respondeu ao nosso contato sobre a investigação.
A subsidiária europeia da Indusparquet, CPF Parquet, é responsável pela maior parte de suas importações da União Europeia, enquanto a rede varejista francesa Leroy Merlin vende produtos Indusparquet no Brasil.
Estudos recentes mostram que a extração ilegal de madeira na Amazônia brasileira está piorando. Há indicações de que até 90 por cento da madeira que sai da Amazônia pode ser ilegal. Essa madeira é toda “lavada” em cadeias de suprimentos legais.
Após os incêndios devastadores que ganharam às manchetes em 2019, os EUA anunciaram recentemente um compromisso renovado de ajudar a proteger as florestas do Brasil. Mas este relatório revela a repetitiva hipocrisia de tais promessas, dado que os EUA continuam a conduzir a destruição através do consumo de “commodities de risco florestal”, como madeira, soja, carne e couro.
Um projeto de lei atualmente em tramitação no Congresso americano busca proibir as importações dos EUA de commodities agrícolas produzidas em terras desmatadas ilegalmente em áreas de florestas no exterior. O projeto precisa ser aprovado. Mas a lei já existente que proíbe a importação de madeira de origem ilegal também deve ser reforçada para que esteja alinhada com o projeto de lei mais recente e colocar o ônus da prova sobre os importadores, eliminando os tipos de riscos identificados no caso da Indusparquet. A lei também precisa ser melhor aplicada.
Reformas urgentes para enfrentar a raiz dos problemas no Brasil também são necessárias. Acima de tudo, este relatório mostra como os esforços para combater o desmatamento ilegal – uma importante fonte de emissões responsáveis pelas mudanças climáticas – devem levar em conta a real natureza do ‘crime’ florestal no Brasil e em outros países. Ou seja, crime que está associado à corrupção e à influência indevida da indústria madeireira que só tem como objetivo o próprio lucro.